Victor Sakitani
Estamos no meio de um fogo cruzado. Em meio ao choque de opiniões entre cristãos e ateus, ou entre cristãos e os meio-cristãos, estamos perdendo o foco do que realmente importa no PLC 3/2013, que determina o atendimento obrigatório no SUS (Sistema Único de Saúde) de pessoas vitimas de violência sexual.
Após a sanção presidencial ao Projeto de Lei, que se deu no dia 01/08/2013, começam a aparecer inúmeros textos e manifestações contrárias ou favoráveis especificamente ao assunto aborto, deixando de lado as outras prescrições existentes no Projeto.
Inicialmente, como deve acontecer em toda análise de assuntos tão complexos e polêmicos como este, é preciso colocar a cabeça no lugar e refletir sobre o que você, particularmente, está defendendo. Qual é a sua intenção ao tratar do assunto e manifestar a sua opinião; causar brigas com religiões? Diminuir a crença do outro perante a sua? Defender que a religião não pode se sobressair à dor da vitima? Criticar que é fácil opinar sem ter vivido a situação?
Inúmeras podem ser as razões, mas se no íntimo delas estiver o desejo de confrontar aqueles de opiniões contrárias a sua, corremos um grande risco de ficar eternamente brigando sem perceber o que acontece a nossa volta, sendo escravizados por um espírito de contenda.
Da forma como tem se espalhado as notícias, o PLC 3/2013 foi rotulado como sendo o Projeto do aborto. Ao ouvir isso toda hora, as pessoas automaticamente se dividem entre os favoráveis e os contrários a prática do aborto, e com isso passam a defender ou criticar o Projeto sem se aprofundar nas outras disposições contidas no texto.
Friso que é imprescindível para opinar sobre o tema conhecer o conteúdo do Projeto. Se você ainda não o leu, aconselho que o faça.
Com tudo isso quero dizer que este já é um assunto suficientemente grande a causar brigas sem necessidade de muito esforço, portanto, nos empenhemos em respeitar mais o outro ao invés de querer impor-lhes nossa opinião.
O PLC 3/2013 não trata especificamente do aborto; trata da assistência que deve ser dadas às vítimas de violência sexual. Este é o cerne do Projeto.
Quanto a isso, o Projeto tem uma boa iniciativa, que deveria existir também em outras áreas da sociedade e não só nos casos de violência sexual.
Por exemplo, toda a assistência médica física e psicológica que o SUS dará às vitimas de crimes sexuais também deveria estar obrigado a dar às vitimas de outras práticas criminosas como as atingidas por balas perdidas, sequestradas, assaltadas, roubadas e de tantos outros crimes que também deixam graves sequelas.
O artigo 3º do PLC, em seu inciso I, trata de dar rápido diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas; o inciso II diz que deve ser dado amparo médico, psicológico e social imediatos; o inciso III prevê a facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que podem ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual; no inciso V, dispõe sobre a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST); no inciso VI obriga a imediata coleta do material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia.
Como poderia eu achar que toda esta previsão acima é ruim? Não é. É ótima, ou então estaríamos deixando alguém que já está sofrendo um grave trauma sem condições ideais para iniciar seu processo de recuperação.
O problema está nos incisos que omiti acima. O inciso IV prevê a profilaxia da gravidez e o inciso VII prevê o fornecimento de informações as vitimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
Por que chamo isto de problema? Porque para mim, cristão, o aborto é um problema sempre. Roubar de alguém o direito de nascer é um problema. “Brincar” de sentar no trono de Deus e decidir quem vive e quem morre é um problema, e nós não sabemos “brincar” disso!
Profilaxia é uma expressão que retrata a aplicação de meios tendentes a evitar a propagação de doenças.
Sendo assim, o PLC 3/2013 tratou a gravidez resultante de violência sexual como uma doença a ser erradicada. É como se a tivesse comparado à Varíola ou outra epidemia que necessite do emprego de meios destinados a combater sua multiplicação. Isto é inadmissível! É um desrespeito com quem acredita na vida como a maior benção de Deus.
Por mais que seja fruto de uma tragédia, e que não tenha sido desejada, a gravidez não é e não poderá jamais ser vista ou tratada como uma doença, sob pena de estar-se comparando o feto presente no útero a um vírus, a um mal.
A escolha do termo foi extremamente infeliz, como a própria inclusão deste inciso no bojo do Projeto, uma vez que não existia no original.
Já o inciso VII destaca a obrigatoriedade em informar a vitima seus direitos legais – leia-se aborto – e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
Um dos enganos que tenho notado na interpretação deste Projeto é quanto a sua obrigatoriedade. Mesmo com a sanção da presidenta o aborto não passou a ser obrigatório nos casos de violência sexual; não é imposto, continua a ser escolha da própria mãe.
O que faz este inciso é sugestionar a prática do aborto a vitima.
Após a ocorrência da tragédia, alguém dirá para a vitima, abalada, que pode tomar uma pílula de emergência e evitar uma gravidez. Situação semelhante aconteceu no Édem. A serpente também não obrigou Eva a morder a maçã, apenas sugestionou que o fizesse, e estamos até hoje pagando o preço da mordida!
A redação deste inciso está incitando a prática do aborto, encorajando as mulheres a fazê-lo.
Para evitar qualquer tipo de interpretação equivocada tendente a provocar discussões e discórdias, já digo expressamente que não deixo de pensar sequer um minuto na vitima do crime sexual. Não estou desprezando sua dor ou minimizando sua tragédia. Para mim, me posicionar quanto ao assunto já é uma luta, porque de um lado está um feto que não tem culpa da situação que o gerou e de outro uma mulher que foi vitimada por um ato desprezível que demonstra a que ponto pode chegar a crueldade do ser humano. Não consigo imaginar algo mais agressivo e abominável do que um crime sexual. Só me posiciono contrário ao aborto porque, como cristão, jamais serei favorável a esta prática, mesmo que fruto de uma violência sexual. Assassinar um feto, impedindo-o de nascer não é um direito adquirido por quem tenha sofrido uma injustiça na vida. A violência sexual é lastimável, mas não dá a ninguém o direito de triturar outra vida humana.
Abrindo meu coração para vocês, como ser humano, sinto uma confusão enorme sobre esse assunto. É doloroso dizer que não se deve abortar a uma mulher que sofreu as terríveis sensações de um estupro. É quase injusto ter de se posicionar sobre isso!
Acontece que cristão sempre se posiciona, e historicamente sempre sofreu por causa disso. Dói e sangra meu coração imaginar o sofrimento de uma vitima de violência sexual, mas o despedaça imaginar a dor de um feto sendo abortado.
Parece clichê, mas nunca é demais repetir que um erro não se apaga com outro erro; uma injustiça não se corrige com outra ainda maior. Não se tira a vida de alguém para tentar apagar reflexos de uma tragédia. Infelizmente, a vida não nos permite fazer esta escolha; não cabe a nós; somos insignificantes demais para isso, e atire a primeira pedra quem acha que tem cacife para fazer algum julgamento!
Li algo a respeito da situação de uma vitima de violência sexual ter de conviver o resto da vida com alguém que a fará lembrar o ocorrido.
Francamente não acredito que esse vá ser o problema. Com o tempo, pode ser que o amor entre mãe e filho supere a dor da tragédia.
Ademais, se optar pelo aborto, também olhará pelo resto da vida para o espelho e verá alguém que tirou a vida de um inocente voluntariamente, o que de certa forma não deixa de ser um assassinato. Essa dor deve ser ainda maior.
O PLC não é inteiramente ruim, pois se preocupa com todo o amparo que merece ser dado às vitimas. A crítica que faço é com relação aos dois incisos que ferem completamente o direito à vida.
É preciso ter sensibilidade para manter diálogos acerca deste assunto. Se despojar de todo e qualquer preconceito para, amando, tentar mostrar que a vida sempre estará em primeiro plano.
Artigo publicado em:
http://www.vitrinedeopinioes.com.br/
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